plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Pedidos aleatórios para 2022
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Eu nem sei se é bom criar expectativa. Mas não é das expectativas que se vive? Como olhar para um ano novinho em folha e não esperar dele uma pá de coisas? Torcer para que a vida melhore. Eu quero que você consiga o trabalho dos seus sonhos. E que os frutos dele sejam tranquilidade e dignidade. Eu quero que todo mundo tenha a sensação de comer e ficar com a barriguinha cheia e que seja possível uma soneca de 15 minutos depois do almoço. Daquelas que recuperam a gente. 

Eu quero que todo mundo tenha um tempo bom para passar com seus amores e que o tempo passe devagar quando nos sentirmos felizes. Que se apresse quando estiver difícil. Que ver o mar seja possível e que, em algum momento, a gente consiga ver a cidade de cima. Do alto de um prédio ou de um morro. Para lembrarmos do nosso tamanhico.

ESPERO

Que o café da manhã seja a nossa melhor refeição: pão e café quentes. Que a gente encontre bons exemplos pelo caminho e o poder encontre lugar entre pessoas mais decentes. Que a fome não seja manchete. Que os encontros sejam possíveis, seguros e que a gente desfrute. Que a brutalidade, a tosquice e a indiferença deixem o trono. E que a ciência seja a nossa regra. 

Quero que as mulheres possam andar nas ruas e que ser mulher não seja um motivo para temer. Que na fila do pão você seja aquela pessoa que sabe esperar a sua vez, dar bom dia e sorrir. Que a gente aprenda com as diferenças. Não se trata de tolerar apenas. Mas de ver beleza, potência e criatividade na multiplicidade. Que a gente consiga identificar nossos privilégios e que saibamos o que fazer com eles.

OXALÁ SEJA ASSIM

Meu desejo é que a gente defenda o que é público, o SUS e a universidade e que nossos olhos tenham um futuro para olhar. Que a gente esteja à flor da pele e se deixe arrepiar. Cantar desafinado mesmo. E que, quando o dia for cansativo, você tenha alguém que te tire para dançar na cozinha. Que você seja e tenha amparo. Um chá. Uma cobertinha. Tira esse sapato.

Esses dias li que, nesta virada de ano, tivemos lua minguante e que seria preciso cuidar com os pedidos. Eu aproveitei para combinar com a beleza da lua em forma de unha. Está tudo certo com meus pedidos. E porque uma lua linda dessas nos sabotaria? Duvido.

Que, em 2022, você possa viajar muito, mas que o seu principal passaporte seja o vacinal. E que você saia apresentando-o para todo mundo. Bem carimbadinho. E que, diante da beleza da inconstância do futuro, a gente possa pelo menos admirar e, batendo o pezinho, cantarolar com Drexler: "Y que sea lo que sea".

Ano novo
Eni Celidonio
Professora universitária

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"Feliz ano novo, um próspero ano novo, um ano novo de muitas Alegrias" e por aí vai... Todo ano, a gente ouve a mesma coisa, mas tem ano que o futuro fica surdo e não ouve absolutamente nada do que desejam. Os dias vão passando e nada de os dias melhorarem. Exemplo: 2021! Gente, fiquei pensando nas coisas boas que aconteceram esse ano e, pasmem, não consegui me lembrar de nada, nadinha, absolutamente nada... Só tufo, tufo e tufo. Por que estou escrevendo isso? Simples, porque escrevo no último dia do ano, dia 31 de dezembro.

Todo ano que termina, eu me lembro de um soneto dele, Camões, que diz mais ou menos o seguinte:


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Muda-se o ser, muda-se a confiança

Todo Mundo é composto de mudança

Tomando sempre novas qualidades


Continuamente vemos novidades

Diferentes em tudo da esperança

Do mal ficam as mágoas na lembrança

E do bem (se algum houve), as saudades


Você falou soneto, onde estão os dois tercetos? Ora, vai procurar, põe no Google! Só me lembro dessa parte, que é a que mais mexe comigo. Primeiro: "Todo Mundo é composto de mudança"... Exatamente o que penso, as coisas mudam a cada hora, a cada minuto, a cada segundo. Todas as vezes em que ouço "Ano Novo, Vida Nova", eu fico realmente impressionada, porque haja paciência para esperar um ano inteiro para mudar! Que inveja, meus sais! A pessoa está no mês de fevereiro, mas espera chegar janeiro do outro ano para mudar... Pode isso, Arnaldo? É incrível tanta paciência!

Outro momento desse soneto que bate em mim como uma marreta, sem dó nem piedade, é "Do mal ficam as mágoas na lembrança? E do bem (se algum houve), as saudades". Esse parêntese aí é um soco no meu estômago, se ele tivesse escrito "do bem as saudades", a gente entenderia que houve um bem, um qualquer, de qualquer natureza, mas não! Tem esse raio de parênteses aberto aí que martela na nossa cabeça "se algum houve"... Pois eu fiquei uma cara pensando: o que teria acontecido nesse 2021 que eu poderia considerar um bem? O Renato levou o Flamengo a ser campeão? Santa Maria não tem mais nenhum buraco? As aulas da UFSM voltaram a ser no Campus, e eu voltei a olhar a carinha dos meus alunos, que deixaram de ser um gato, uma fogueira ou uma letra no meu computador? Emagreci? O Cadena virou uma praia do Caribe? O Calçadão ficou pronto? Ah, mas as obras do CDM vão de vento em popa!

Gente, absolutamente nada me veio à lembrança, aliás, nada não, eu tenho uma lembrança boa de 2021, aliás, uma não, duas: primeiro. Estou viva e não tive Covid; segundo: o ano de 2021 está terminando hoje... Modo Pollyana está on!

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